sábado, 9 de junho de 2007

Aula suplementar

Aula suplementar na 2ª feira: sala 11, 15 horas até às 19, para todas as turmas.

sábado, 26 de maio de 2007

integração de factores determinantes do comportamento e liberdade

Segue o texto que usei para planear a aula. Se for necessária maior elaboração digam-no por favor.

Freud e a segunda tópica: A liberdade Humana
A priori
O conceito vem de Kant, mas foi aplicado à Biologia por Uexküll. Significa que só se pode ver o mundo de uma determinada maneira. Os a priori determinam a forma como vemos o mundo e o teor desse mundo. Exemplo da carraça, de Uexküll.
A priori biológicos: motivações e mundivisões
Na nossa espécie passa‑se aproximadamente o mesmo. Além de coisas que não conseguimos conceber – visualizar um espaço a 5 dimensões, por exemplo – há coisas que não conseguimos deixar de interpretar de determinada forma – expressões faciais, por exemplo. Da mesma maneira temos motivações que determinam a maneira como vemos o mundo – hierarquia, poder, sexo, etc.
Explicar que o facto de determinada motivação ser a priori não significa que não haja aprendizagem: a linguagem é aprendida mas segue regras aparentemente universais. Isso parece ser válido também para as aprendizagens animais.
A priori culturais: regras do que é aceitável
Vemos o mundo de acordo com as regras que nos ensinaram. Exemplo: família, as obrigações que os pais aceitam não são universais. Exemplo dos Trobriand, em que é o tio materno que tem as obrigações relativamente à criança e não o pai biológico. A paternidade em algumas tribus africanas em que um filho é gerado por um amante reconhecido. Questões éticas mais específicas. Exemplo da homossexualidade que há alguns anos era punida com prisão. Exemplo das crianças Sâmbia: aquilo que para nós é um pecado indiscutível é visto num grupo alargado de culturas como o comportamento correcto e saudável. Exem­plo do respeito pelos velhos: os Ik.
A unidade de adaptação não é o indivíduo mas a cultura
Exemplo do automóvel, ou de qualquer das coisas que estejam presentes na sala de aula: ninguém na nossa cultura sabe fazer todas as coisas. Divisão do trabalho, mesmo nas culturas primitivas: divisões por sexo e por classes de idade. Fazer entender que dependemos inteiramente daquilo que fazem os outros que, por sua vez, dependem daquilo que nós fazemos.
A cooperação é a base do Estado: cooperamos como grupo contra quem nos queira lesar. Exemplo do dinheiro como expressão máxima da cooperação simbólica – o crash de Wall Street.
Para que haja cooperação tem de haver regras fixas que obriguem a essa co­ope­ração. Exemplo, o casamento: diferença de funções, cooperação na criação dos filhos, responsabilidades dos filhos mais tarde. Nada disto é necessariamente assim: é específico da nossa cultura.
Tendência para obedecer cegamente aos ditames da nossa cultura e sentimentos muito fundos para agirmos de acordo com as regras do grupo.
Regras éticas que têm de ser impostas havendo sanções para quem as não cumpre.
O Eu como espaço de representação
O eu como nome, como capacidade de se auto‑nomear. Ausência de complicações e de teorizações do Eu, que tem uma teoria fornecida pela cultura: identidades culturais, orgulho de classe, identificação com certos grupos. Exemplo, os psicólogos e os médicos, actualmente os ocidentais e os islâmicos, o Sporting e o Benfica, os Góticos e os Betos ou os Punks. Toda a teorização sobre nós próprios já foi feita por nós. Se cumprirmos as regras não a poremos nunca em causa.
O Eu como espaço de conflito
Instruções culturais são, porque o grupo é seleccionado em termos de saber colectivo, sempre cooperativas. Instruções individuais são seleccionadas em termos de selecção individual. Vantagens em seguir os dois tipos de tendência. Conflito psicológico necessário.
O eu como comentador das suas acções: sensação de autoridade das nossas próprias ideias e comportamentos, mas, na verdade, muito pouca autoria: incapacidade de inventarmos regras para tudo; desvantagens biológicas porque isso iria contra a cooperação (ou seja: vantagem em se ser reprogramado pela cultura).
A ética como exemplo desse mesmo problema: exemplo da ética de Kohlberg: progressivo afastamento do princípio do prazer para o princípio da realidade e dificuldade em resolver a questão no plano puramente individual: os autores das próprias éticas são uma quantidade residual.
Ausência de liberdade e importância do Eu: a noção de força do Eu, de Freud, e a importância de uma pessoa se auto‑conhecer. O preço a pagar por esse auto­‑conhecimento.

sexta-feira, 18 de maio de 2007

Freud

Freud e a Psicanálise
A maior importância de Freud é a de ter rompido com a tradição académica. Em vez de se basear na refutação, complementarização etc., de outros autores, Freud pretendeu compreender a pessoa – o funcionamento da psicologia humana.
Ao fazê­ lo inspirou-se naturalmente no que conhecia da vida – e isso implica, evidentemente, ter-se inspirado em si próprio. Freud era uma pessoa complexa, com más relações com o pai, tendências semi-incestuosas com a mãe e uma relação difícil com as outras pessoas. Em grande parte por isso, muitos dos conteúdos das suas teorias são tão estranhos.
Isso em nada tira a sua importância, não só histórica – será difícil encontrar um psicólogo com mais influência do que freud – mas mesmo actual. A psicologia freudiana pode estar, no seu conjunto, errada – as fases de desenvolvimento sexual podem ser fictícias, é verdade que a maior parte das hipóteses não podem ser testadas, muitas duas suas explicações parecem delirantes e sabe-se mesmo que freud falsificou casos para corroborar a sua teoria. Independentemente de tudo isso, Freud apresentou aquele que é, que eu saiba, o único referencial especificamente psicológico que leva à letra a ideia de que o Homem (a espécie) é «um ser bio-psico-social». Normalmente isto não significa nada em termos de concretização. Em freud é parte central da sua teoria.
Referi-me especificaemnte à ideia da sua chamada segunda tópica. A grande inovação desta ideia é ter mostrado que, além de factores instintivos desconhecidos – essa ideia já se encontra em Hartmann e, antes disso, em Schopenhauer – há factores culturais que determinam o nosso comportamento sem que suspeitemos deles ou os questionemos.
É importante salientar que as normas sociais e os instintos biológicos, em freud, tendem a opor-se – princípio do prazer e da realidade. Este facto é, parece-me, verdadeiro. A justificação moderna disto apresentei-a em trabalhos a que vos posso referir, mas resumi-la-ei aqui. A vida de um lobo pode ser difícil – é-o certamente mais do que a nossa – mas o lobo só faz aquilo que tem vontade de fazer. Connosco passa-se quase o contrário: tudo é obrigação, o dever vem antes do sentimento e se não cumprimos o dever (ou aquilo a que fomos ensinados a achar bem ou mal) temos sentuimentos de culpa. Isto acontece, parece-me, porque a nossa sobrevivência como espécie assenta na cooperação e, para cooperarmos, tem0s de conseguir dobrar as nossas tendências egoístas (ou seja, tem de haver um predomínio do princípio da realidade sobre o princípio do prazer). Se cada um seguir estratégias egoístas ou de simples protecção dos parentes próximos (o que é corrente em animais sociais), não haverá cooperação possível porque a sabedoria com que tratamos dos problemas do mundo não está contida nesses pequenos grupos sociais mas na unidade mais vasta que é a cultura. Por isso, somos efectivamente reprogramados (temos vantagens reprodutivas nisso) para o que devemos e não devemos fazer. Estratégias egoístas como, por exemplo – usando agora um exemplo de Freud – copular com uma pessoa já acasalada, desfazem a união do grupo. Esta parte não se encontra teorizada assim em Freud ( é muito mais complicada e, temo dizê-lo, delirante a interpretação de Freud: filhos que matam os pais para ter o acesso às fêmeas, seguido de sentimentos de culpa – no fundo, um romance baseado nos sentimentos do próprio Freud).
O resultado, contudo, foi bem compreendido por Freud: o espaço do Eu – a nossa capacidade de decisão – tem de se mover entre os determinismos sociais incorporados e inconscientes e os determinantes biológicos e negados. O resultado é uma escolha necessariamente má: perdemos se seguirmos o princípio do prazer, perdemos se seguirmos o princípio da realidade. A única solução é a sublimação das tendências, com a consequente neurose.
Considero que esta noção de conflito é real e importante na Psicologia; considero que há, neste momento, informação suficiente proveniente da Etologia, da Psicologia Social e do Desenvolvimento, da Psicologia Cognitiva e da Antropologia evolutiva para se conseguir fazer uma síntese – eu próprio a tentei, não completamente a meu gosto – nos Mundos Animais, Universos Humanos.
Não se trata de defender Freud e os seus delírios: trata-se de defender que, para compreender a nossa espécie, temos de compreender quais os factoreds que determinam o seu comportamento; esses factores só podem ser provenientes de dois lados: da biologia e da cultura; em alguns, pouquíssimos casos, os indivíduos podem contribuir criativamente para a solução do problema. Foi a isso que freud chamou a força do eu.
É neste contexto que tem de se considerar a questão da liberdade humana, e é o que faremos na próxima aula.

quinta-feira, 17 de maio de 2007

Ainda sobre a Etologia

Segue um link para um trabalho recente.

http://www.behavior.org/journals_BP/

Acho que está claro e pode ajudar a compreender.

sexta-feira, 11 de maio de 2007

Uexküll e a Etologia: as funções do cérebro

Na aula de hoje referimos três grupos de teorias - duas muito semelhantes, uma outra um pouco diferentes. O ponto comum a essas teorias é a importância atribuída ao comportamento como forma de relação com o ambiente.

O que dissemos na aula foi aproximadamente o seguitne.

Houve uma tendência para usar os métodos da fisiologia ao estudar a psicologia. O problema aqui é o seguinte.

A fisiologia - fisiologia significa estudo da função - fez-se, tradicionalmente, usando um conhecimento prévio da função de cada órgão ou sistema.

Assim, sabe­‑se bem para o que serve p sistema digestivo. O que a fisiologia queria explicar era como se conseguia a função que era conhecida. Para isso foi necessário estudar os processos -- por exemplo, no caso do aparelho digestivo - que asseguravam as várias fases da digestão e assimilação dos alimentos. Partiu­‑se, pois, de uma função geral, relativamente mal conhecida, para processos específicos de assegurar essa função. Assim se descobriram imensas coisas insuspeitadas, por exemplo a importância do fígado.

A fifiologia -- ou, para ser mais righoroso, a anátomo­‑fisiologia - permitiu o conhecimento preciso do funcionamento do corpo humano. A fisiologia parecia tão poderosa que vários psicólogos acharam que essa técnica permitiria descobrir a mente. Há aqui um elemento que não utilizei nas aulas mas que deve ser considerado. Durante o séc XIX assumiu­‑se um fortíssimo materialismo (que agora é mais ou menos dominante) e acreditou­‑se que a única explicação dos processos mentais poderia ser o estudo da fisiologia, isto é, das bases materiais da mente. Essas bases materiais eram, evidentemente, o cérebro.

Contudo, as funçõs gerais do cérebro não são particularmente claras. Todos nós temos dificuldade em nos recordar de como processámos uma informação: podemos lembrar­‑nos dos efeitos que certas coisas tiveram em nós. Mas tentem resolver um problema - nem precisa de ser um problema matemático, basta que seja um problema mecânico - e depois relatar os processos mentais que vos permitiram resolvê­‑lo. Verificarão que é impossível e que não têm recordação. A razão é simples: a nossa mente, como dizia Hume, é um espaço de representação de coisas, e enquanto estamos a pensar numa coisa não podemos dar a atenção aos processos da mente.

Daquilo que nos lembramos facilmente é do comportamento: aquilo que fizemos ou mesmo os estados emocionais que sentimos. Mas não dos processos da mente. De modo que o estudo da mente através do cérebro teve, de início, essa grande dificuldade: Partiu­‑se do estudo de uma função que não tinha sido descrita. É talvez por isso que a maior parte dos estudos de neuro­‑fisiologia se concentraram nas funções perceptivas. Aí é relativamente fácil conseguir caracterizar as funções: todos sabemos que vemos formas ou ouvimos sons; é fácil manipular estímulos visuais ou auditivos. De modo que se pode fixar uma variável - aquilo que vai ser percepcionado - e ver que efeito essa variável tem no funcionamento dos sentidos.

Em minha opinião, uma das razões de haver um atraso tão grande no estudos dos processos fisiológicos subjacentes aos processos mentais é simplesmente que não temos acesso fácil aos processos mentais.

Contudo, houve quem se interessasse por uma outra função da mente: o comportamento.
Mas mesmo isto é complicado. Considermos a seguinte lista:

Na anátomofisiologia antiga era costume referirmo­‑nos aos corpo em ttermos de tecidos que se organizam em órgãos que se organizam em sistemas. Assim, temos:

Sistema respiratório - assegura a respiração
Sistema cárdio­‑vascular - assegura a circulação, oxigenação e alimentação dos tecidos
Sistema reprodutor - assegura a possibilidade do acto sexual
Etc.
Sistema nervoso - assegura o quê? O pensamento? Os reflexos? O pensamento?

Como vêem, é difícil dizer exactamente para que serve o sistema nervoso. Todos sabemos que assegura o comportamento e o pensamento. Mas como - quais são as funções que temos de explicar?

Evolutivamente, o cérebro corresponde apenas a uma zona de troca de informação entre os órgãos sensoriais. É, de resto, essa a razão pela qual o cérebr0 está «à frente»: a visão corresponde a uma diferenciação de tecidos que passaram a ser sensíveis à luz reflectida; o olfacto às substâncias solúveis ou em suspensão; a audição às vibrações dos corpos. Num anuimal em movimento, faz sentido que esses tecidos receptores estejam «À frente»: quer dizer, na zona mais anterior de um animal em movimento, para que possam detectar o que vai suceder no momento a seguir no local para onde o animal se está a dirigir.
Como pode haver vantagem em cruzar a informação proveniente de vários inputs sensoriais diferentes, desenvolveu­‑se uma espécie de rede entre os diversos tecidos receptores. É isso o cérebro: uma rede de cruzamento de informações que tem de estar depois ligado à geração de movimentos.

Ou seja, evolutivamente o cérebro assegura a colecção de informação e o comportamento subsequente a essa colecta.
Este aspecto foi particularmente bem capturado pela teoria de Uexküll. Dizia ele que o organismo agarra o ambiente como com dois braços de uma tenaz: a percepção e a acção.

Aquilo que o animal percepbe - no sentido de «percepção» é apenas aquilo que os seus órgãos dos sentidos captam e que os seus a priori (codificados no cérebro) lhes permitem ver. Assim - e para dar um exemplo da nossa espécie - é impossível ver um rosto como uma coisa difrerente de um rosto: uma paisagem é decomponível em elementos, mas reagimos a um rosto globalmente: é bonito, feio, alegre, simpático, agressivo: isto é, tem um significado automático que vai desencadear em nós tendências para a acção (as nossas emoções e motivações: tentem ser simpáticos para alguém com um ar muito antipático e verão quão difícil é).

Ou seja, ver só não basta: na teoria de Uexküll é necessário dar um significado. Esse significado é determinado em termos das tendências para a acção subsequente. Assim, um leão a correr para nós tem um significado de fugir; uma cara simpática tem um significado de boa vontade, e assim por diante.

Para Uexküll o objecto de estudo estava em saber, em condições típicas das da espécie em estudo, como era extraídos os sinais do ambiente e como se lhes reagia. O que Uexküll pretendia estudar não era exactamente a fisiologia (embora ele próprio fosse um fisiologista de mérito firmado): o que ele queria saber era a organização das relações entre meio e organismo e quais as formas que essa relação tomava; essas relações eram caracterizáveis em termos da percepção (quais os aspectos que o animal abstrai do ambiente) e do comportamento (quais as respostas comportamentais que o animal dá a essas configurações).

Aqui, reparem, a função do cérebro (ou dos sistemas nervosos, porque Uexküll estudou invertebrados com cérebros relativamente pouco importantes, como os equinodermes) é claramente definida: serve para extrair informação do meio (o braço perceptivo da tenaz) e responder às situações que esse meio coloca (o braço accional da tenaz).
Um animal, compreendeu Uexküll, passa a vida toda a usar sistemas de «tenaz» - ciclos funcionais, na linguagem de Uexküll - muito variados: usa um ciclo funcional (ou mais) para acasalar, outro para encontrar alimento, outro para evitar predadores, e assim por diante. O objectivo da Biologia seria então, segundo Uexküll, compreender a maneira como esses vários ciclos funcionais adaptavam o animal ao ambiente. Tirando o facto de que Uexüll não acreditava que fosse a selecção natural a causa de toda esta perfeição, o proecto é completamente moderno: qualquer dos meus leitores gostaria de saber quais os ciclos funcionais que regem o seu próprio comportamento. O projecto é ainda mais «moderno» no sentido de que Uexküll resolveu o problema da confusão entre o comportamento e as experiência subjectivas que acompanham esse comportamento de maneira magistral: o que se pode saber é apenas a que aspectos é que o animal reage: mas nunca se pode saber como é que o animal experiência - ou sente - esses aspectos. [Em parêntesis: este aspecto também se aplica à nossa espécie: são as experiências subjectivas que determinam os comportamentos ou são meros indicadores que a nossa mente recebe? Temos tendência para acreditar que a experiência subjectiva é a causa dos comportamentos, mas há muita investigação que mostra que nem sempre é assim].

A Etologia de Lorenz e Tinbergen veio dar continuidade a este projecto. Os ciclos funcionais foram estudados em animais mais complexos (sobretudo em peixes e em aves) e as suas relações mútuas foram caracterizadas: enquanto um ciclo funcional está a ocorrer não pode aparecer outro; e, além disso, há ciclos funcionais que podem têm probabilidades sozaonais de serem desencadeados:. Isto remete para dois pontos importantes da teoria etológica: a estrutura do comportamento e a motivação.

Comecemos pela segunda: em vários peixes que mostram cuidados parentais, qualquer confuiguração remotamente parecida com uma cria é tratada como cria; por exemplo, há ciclídeos que tratam o crsutácio Daphnia (normalmente um alimento) como crias enquanto estão na fase de cuidados parentais. Ou seja, foi aparentemente activado o ciclo funcional de tomar conta da descendência. Isto implica que há um filtro perceptivo que isola uma configuração «cria» e que tudo quanto cabe nessa configuração activa o ciclo funcional (o braço comportamental da tenaz). Mas a activação destes centros varia: o mesmo ciclídeo, fora da fase de cuidados parentais («cuidados epimeléticos» é o termos «académico» para o mesmo) tratará a Daphnia com o ciclo funcional alimentar. Na aula, dei o exemplo de o cheiro da carne podre poder activar o ciclo funcional alimentar quando se tem muita fome. Os etólogos designaram as configurações a que o animal responde como estímulos sinais, as respostas como padrões fixos de acção e compreenderam que havia fases apetitivas, quer dizer, de procura, de estímulos sinais quando activado o centro motivacional relevante.

Mais, estes vários centros motivacionais (foi esse o nome que os etólogos deram às organizações de ciclos funcionais) parecem estar organizados de maneira a formar conjuntos que permitem resolver os problemas do ambiente. Por exemplo, quando chega a primavera, o peixe migra ; nadando numa determinada direcção (ou ao acaso) acaba por encontrar um local que desencadeia um subconjunto de ciclos funcionais: o peixe passa a defender um território e a cavar um ninho. Há muoitos ciclos funcionais implicados neste sistema: reconhecer o local do ninho, iniciar a sua construção, e, paralelamente, reconhecer outros machos e atacá­‑los (defesa de território). A seguir, o macho faz a corte a qualquer fêmea que se apresente. Essa corte é feita de vários ciclos funcionais e termina com o acasalamento. Há, pois, uma aparente estrutura funcional do comportamento.

Os etólogos, depois de muito criticados pelos fisiologistas (nem Lorenz nem Tinbergen o eram) acabaram por afirmar que o objecto da Etologia era explicar como o sistema nervoso procedia a este tipo de estruturação do comportamento. Em minha opinião (há um artigo meu a sair neste momento que diz isso mesmo) os etólogos estavam enganados.

Reparem que uma coisa é explicar como o comportamento e a percepção permitem a adaptação do organismo ao meio. É isso que a Etologia (e a teoria de Uexküll), pretendia capturar. Outra coisa, muito diferente, é explicar como o sistema nervoso produz os comportamentos e as percepções que resultam na adaptação. Na medida em que «explicar» significa reduzir ao nível mais baixo (explica­‑se um reflexo mostrando a organização nervosa subjacente), se o objectivo for explicar o comportamento, concordo que a explicação fisiológica é correcta.

Mas o que ocorre na Etologia é diferente: o objectivo parece ter sido o estudo da pró+ria adaptação: como é que, em termos de comportamento e percepção, o animal resolve os problemas do seu meio. Neste sentido, a explicação da adaptação é a organização dos vários sistemas motivacionais, da percepção e dos actos motores que asseguram essa adaptação. Edsta confusão dura até hoje.

Veremos, em aulas subsequentes, como a psicologia Gestalt pretendeu basicamente explicar o mesmo.

Por hoje chega.

terça-feira, 24 de abril de 2007

Continuação

NOTÌCiA preliminar: o meu computador está avariado e há várias letras que nem sempre «entram». Nomeadamente, está a saltar «h» e «a» com alguma frequência (piada para os que conhecem os snobismos ingleses: my computer drops its aitches). Não vou estar sistematicamente a corrigir os erros.

SOBRE A AULA ANTERIOR

Aqueles de vós que lestes (!! - mas é assim mesmo que se deveria escrever se se usasse ainda esse tempo verbal) o texto anterior - uma minoria, provavelmente, ter-vos-eis perguntado (já agora vou continar assim) qual a relação do título com o texto.

A explicação ter-vos-á aparecido na aula: é possível afirmar que apenas o mundo fenoménico (o mundo cognitivo, compreendido, sentido) é real, de forma que tudo o resto é inexistente. A esta posição costuma chamar-se solipcismo, quer dizer: o pensador está sozinho no mundo e imagina que o que ele, pensador, pensa, existe mesmo.

Costua-se associar Berkeley a esta posição, embora seja falsa: Berkeley dizia que o mundo real existia, mas que «ser é ser percepcvionado», quer dizer, que uma coisa só existe na medida em que algum conhecedor a percepciona.

Tenho de confessar não saber quase nada da teoria de Berkeley, mas penso que o artigfício da teoria era a de que as coisas efectivamente existiam porque Deus as percebia; o ponto importante dele, que não nos vai interessar, pelo menos agora, muito, é o de que ele afirmava que a matéria não existe, mas apenas o espírito. Se compreendo Berkeley bem, isto significa que as coisas só existem na medida em que são representadas.

Tentando cativar-vos um pouco mais para estas matérias abstrusas, dir-vos-ei que a ideia não só faz sentido como, sobretudo, tem actualmente uma representação bastante importante na Psicologia. Se lerem os meus textos científicos, verão que eu próprio defendo uma posição que, embora diferente, tem pontosde contacto com esta.

A razão por que falo de Berkeley é a sua importância na transição para David Hume, de que falaremos mais tarde. O que interessa em Hume, neste momento, é dizer que ele levou a ideia de que é o conecimento que temos das coisas que é importante. Hume dizia que muito mais importante do que conhecer a matéria, é saber como se conhece. Isto é, parece-me, evidente: independentemente das posições que enfatizam o conhecimento do mundo «real» (Física, por exemplo) é essencial saber como é que se conhece. Hume foi autor de uma série de teorias sobre a associação (que vêm de antes, incluindo do próprio Berkeley e mesmo muito mais de trás - Aristóteles, pelo menos) que seria a principal forma de conhecimento.

Numa das turmas (salvo erro a primeira), ouve uma discussão interessante sobre o papel da metáfora no conhecimento: associamos (ou acomodamos) uma coisa nova a uma coisa que já conhecemos.

O exemplo historicamente mais importante de Hume é o da causalidade. Diz ele que a Filosofia pensa na causalidade como centrada nas propriedades dos antecedentes e consequentes (da aula: o exemplo da núvem que faz chover), mas que a causalidade não está nas coisas mas na mente: como a causalidade se baseia na verificação de que a um antecedente se segue regularmente um consequnte, a nossa mente associa as duas noções através da causalidade.

A isto respondeu Kant que não podia ser assim: para que haja noção de antes e depois, o próprio tempo tem de ser dado a priori (isto é, tem de ser uma propriedade inata da mente): de outro modo como poderíamos saber o que acontece antes e depois. O espaço, também para Kant, era a priori: se todas as sensações têm lugar na nossa mente, como é que através da experiência podemos concluir que elas ocorrem fora de nós?

Há mais elementos na teoria de Kant que vos convido a ler nos manuais de Psicologia que já indiquei - e para os realmente corajosos, na própria Crítica da Razão Pura, mas o livro é longo e difícil. Mas o que nos vai interessar aqui é a ideia de que tem de haver estruturas de organização da experiência que sejam prévias a essa experiência para que possa haver conhecimento.

No fundo isto não é nada diferente de dizer que para que o conhecimento seja possível é necessário que haja um conhecedor. Uma metáfora grosseira pode ser adequada: como é que se pode deitar água num copo se um copo não tiver nenhuma estrutura?

Kant defendia então que a Filosofia (o estudo dos fenóemnos da mente - para Kant a Psicologia era um estudo introispectivo, impossível porque os conteúdos da mente não são os seus processos o que é, parece-me, verdade) deveria estudar os processos a priori de dar significado ao mundo em si.

O mundo em si - coisa em si - é o númeno (ou noumeno; mas pronuncia-se númeno); a sua existência não é posta em causa, mas ele é, por definição, impossível de conhecer, porque o conecimento resulta da tradução dessa coisa em si pelos filtros do entendimento. O conecimento - o fenómeno, quer dizewr, aquilo que é conhecido - é, portanto, sempre uma interpretação.

Uma interpretação depende de um código. É isso, pois, que +é necessário saber fazer: esclarecer qual o código.

Veremos na próxima aula a extrema importância desta ideia.

E pronto. Espero que vão participando mais. Bom feriado.

RSVP

RdeSá

sexta-feira, 20 de abril de 2007

TEXTO NÃO REVISTO

Da racionalismo ao solipcismo

Falei-vos «abundantemente» de Descartes antes das férias. Podem ter estranhado eu não ter começado a falar quer do Fechner (um ponto de partida habitual) quer do Wundt quer, conversamente, do Aristóteles.


A importância da consciência – A razão por que não o fiz é bastante simples. O que eu quis deixar mais claro foi a ideia – que não é propriamente original de Descartes – quer os filósofos árabes quer Santo Agostinho quer ainda Pedro Hispano – já a tinham intuído mais ou menos explicitamente – a ideia, dizia, de que só podemos ter a certeza de nós próprios.

Repetindo algum tanto o que disse durante as aulas, a questão importante é esta. Do mundo temos apenas as representações que fazemos dele; essas representações são feitas pelo nosso corpo, mas só as conhecemos na nossa mente. Como podemos duvidar da existência do mundo real –eu posso estar a sonhar que estou a escrever neste computador e toda a minha vida pode ser um sonho– e mesmo do nosso corpo –afinal eu sinto um corpo, mas nada me garante que essa sensação não seja uma imaginação da minha mente– posso então concluir que a única certeza que tenho é da minha própria existência psicológica.

Este ponto é, parece-me, importante porque, na tradição científica e objectiva que o pensamento europeu tomou a partir de Galileu – o fundador da física moderna, como sabem – começou-se a duvidar sempre da validade da nossa própria experiência.

Como, pelo que pude perceber das aulas, a ideia de que a mente é uma certeza mas o corpo e a realidade exteriores não o é, gostaria de desenvolver aqui um pouco a questão.

Tomemos a seguinte afirmação (que corresponde ao que Descartes realmente escreveu): Posso imaginar a minha mente a existir sem um corpo, mas não posso imaginar o meu corpo a ser eu sem mente. Alguns dos meus alunos dir-me-ão que não, que podem perfeitamente imaginar o seu corpo sem mente. É verdade que sim – posso imaginar o meu corpo morto – mas o que não posso é imaginar-me a mim sem mente: posso imaginar o meu corpo, não me posso imaginar a mim. Aqui várias correntes das ciências sociais poderiam dizer-me que o corpo é o repositório do eu e que o eu é principalmente social, sendo a sua referência social precisamente o corpo.

Gostaria de mostrar que isto pode ser verdade mas que não tem nada que ver com a certeza do que Descartes disse.

O que Descartes disse é que o conhecimento, a consciência, implica um conhecedor; esse conhecedor somos «nós», quer dizer, o Eu. Esse eu pode conhecer quer a realidade exterior quer os pensamentos e ideias que se encontram no seu campo de consciência, mas o que e importante é que eu posso acreditar que esses conteúdos da consciência não vêm do exterior mas são apenas fabricações da minha mente; enquanto que não posso imaginar-me a mim – quer dizer, não posso ter a experiência fenomenológica do Eu – sem mente. Na medida em que eu sei, que eu faço, que eu ajo, há a consciência do Eu; os conteúdos dessa consciência podem não corresponder a nada «lá fora», mas, visto que Eu penso, não posso pôr em dúvida nem esse Eu nem a sua consciência. É por isso que podemos imaginar-nos a existir (quer dizer: a sentir e a pensar) sem corpo mas não podemos imaginar seja o que for sem mente.

Esta é a principal questão que quero salientar em Descartes.


Descartes e o empirismo – Significa isto que Descartes achava que vivia num mundo de imaginação, como uma mente alucinando experiências não existentes? De maneira nenhuma. Descartes era um racionalista no sentido de que precisava de ter certezas racionais. Mas era um empirista porque achava que Deus não era perverso e que não lhe tinha dado uma razão que o enganava e sentidos que lhe faziam ver o que não existia. Por isso, acreditava na importância de estudar aquilo que os sentidos viam.

Mais, Descartes era um racionalista extremamente «materialista»: ele acreditava que as nossas «paixões», quer dizer, as nossas emoções e motivações, eram consequência de processos corporais. Por exemplo, um animal põe uma pata no fogo e retira-a imediatamente Como pode fazer isto? A teoria de Descartes tem que ver com uma espécie de sistema nervoso que funcionava com base em fluidos que circulavam no organismo, mas o que ele dizia é que os movimentos do corpo eram todos movimentos mecânicos, como os de autómatos (que ele viu nos jardins de Saint Germain: figuras que faziam movimentos e, salvo erro, sons quando movidas por pressão de água). Esta teoria, que explica – desde que se lhe dê uma roupagem moderna em termos do funcionamento da matéria – efectivamente o comportamento dos animais e de plantas. Por exemplo, há uma planta que vive no deserto e que, quando chove, projecta as sementes para longe de si. Como é que a planta «sabe» quando deve projectar as sementes? Não sabe: o que acontece que é quando chove as paredes do fruto incham com a humidade; em consequência, rompe-se uma membrana, o que acontece com violência; as sementes são, por causa da acção da abertura súbita do fruto, projectadas para longe. Era este o tipo de mecanismo que Descartes imaginava estar na origem do comportamento humano e animal; a ciência contemporânea tem usado precisamente o mesmo tipo de pressuposto.

Por isso, Descartes fez trabalhos (fisiologia) para tentar compreender funcionamento do corpo humano. Por exemplo, estudou como se formava a imagem na retina, raspando a parte posterior de um olho de boi.

Repito que tudo isto era justificado pelo pressuposto de que Deus não nos enganava e de que podemos confiar nos nossos sentidos se judiciosamente interpretados.

Aquilo que para Descartes não podia ser explicado desta maneira era o facto de haver livre arbítrio.

O livre arbítrio seria, segundo Descartes, o resultado do uso puro da razão; a razão consiste em perspectivar um problema em termos claros e no plano mental. É esta capacidade de perspectivar um problema no plano mental a que se chama pensamento. Ora vimos que o pensamento era considerado como não material, como existindo no plano estrito da mente. Logo, os animais não tinham mente (=alma) mas nós tínhamos conflito entre a mente e as paixões do corpo.

Racionalismo – Há uma outra questão importante. A saber, a nossa mente pode-nos enganar, mas há verdades que, na própria mente, são auto-evidentes. Dei-vos o exemplo do triângulo equilátero perfeito e de algumas evidências lógicas (o todo é maior do que a parte, a propriedade transitiva, etc.).

O que há a tirar disto é que há coisas que são logicamente necessárias independentemente da experiência. Uma delas era, precisamente, Deus – a ideia de perfeição e os exemplos da lógica têm de ter uma qualquer origem e Descartes atribuiu-a a Deus, o que é perfeitamente lógico; actualmente falamos na selecção natural mais ou menos com o mesmo estatuto. Independentemente de se acreditar em Deus ou não, a verdade é que parece, realmente, haver uma origem qualquer para as regras da nossa mente que não são provenientes da experiência.

Este segundo aspecto foi muito debatido e, de resto, ainda o é. Os grandes debates do inatismo e do empirismo – qual a importância relativa das instruções inatas e das aprendizagens – está longe de estar concluído (para os interessados nesta questão, Steven Pinker, The Blank Slate) e tem até conotações ideológicas.


**


Legado – Descartes abre várias pistas para quase todos os campos da Psicologia. Por um lado, a importância da mente. Descartes não se contentou em dizer que a mente era importante: tentou realmente estudá-la. Fê-lo de duas maneiras: estudando o corpo (a fisiologia) e as suas paixões (as emoções) e, ao mesmo tempo, tentando elucidar as regras de funcionamento da razão.

É bem sabido que Descartes pensava que o mundo tinha uma expressão matemática. O que não é, talvez, suficientemente enfatizado é que Descartes queria, principalmente, saber quais as regras da razão. Trata-se, portanto, de esclarecer as regras da mente. Num curso de Psicologia, esta afirmação parece remeter para a psicologia cognitiva. Contudo, é mais na direcção da epistemologia que Descartes se orienta: quais as regras que permitem conhecer, de forma segura, o que é verdade e o que não é. O representante talvez mais característico desta posição na psicologia é Piaget, de que penso que não teremos tempo de tratar este semestre.

Outro legado importante de Descartes é a fisiologia: quer as paixões da alma quer o conhecimento têm de chegar à mente e é necessário saber como esse percurso se faz. A psicofisiologia tenta, actualmente, responder a essa questão.


Por hoje, são estas as ideias com que vos queria deixar. Pode ser que ainda modifique esta entrada; para já fica assim.


BVF (boa volta à faculdade; ou: boa volta de férias.