sábado, 26 de maio de 2007

integração de factores determinantes do comportamento e liberdade

Segue o texto que usei para planear a aula. Se for necessária maior elaboração digam-no por favor.

Freud e a segunda tópica: A liberdade Humana
A priori
O conceito vem de Kant, mas foi aplicado à Biologia por Uexküll. Significa que só se pode ver o mundo de uma determinada maneira. Os a priori determinam a forma como vemos o mundo e o teor desse mundo. Exemplo da carraça, de Uexküll.
A priori biológicos: motivações e mundivisões
Na nossa espécie passa‑se aproximadamente o mesmo. Além de coisas que não conseguimos conceber – visualizar um espaço a 5 dimensões, por exemplo – há coisas que não conseguimos deixar de interpretar de determinada forma – expressões faciais, por exemplo. Da mesma maneira temos motivações que determinam a maneira como vemos o mundo – hierarquia, poder, sexo, etc.
Explicar que o facto de determinada motivação ser a priori não significa que não haja aprendizagem: a linguagem é aprendida mas segue regras aparentemente universais. Isso parece ser válido também para as aprendizagens animais.
A priori culturais: regras do que é aceitável
Vemos o mundo de acordo com as regras que nos ensinaram. Exemplo: família, as obrigações que os pais aceitam não são universais. Exemplo dos Trobriand, em que é o tio materno que tem as obrigações relativamente à criança e não o pai biológico. A paternidade em algumas tribus africanas em que um filho é gerado por um amante reconhecido. Questões éticas mais específicas. Exemplo da homossexualidade que há alguns anos era punida com prisão. Exemplo das crianças Sâmbia: aquilo que para nós é um pecado indiscutível é visto num grupo alargado de culturas como o comportamento correcto e saudável. Exem­plo do respeito pelos velhos: os Ik.
A unidade de adaptação não é o indivíduo mas a cultura
Exemplo do automóvel, ou de qualquer das coisas que estejam presentes na sala de aula: ninguém na nossa cultura sabe fazer todas as coisas. Divisão do trabalho, mesmo nas culturas primitivas: divisões por sexo e por classes de idade. Fazer entender que dependemos inteiramente daquilo que fazem os outros que, por sua vez, dependem daquilo que nós fazemos.
A cooperação é a base do Estado: cooperamos como grupo contra quem nos queira lesar. Exemplo do dinheiro como expressão máxima da cooperação simbólica – o crash de Wall Street.
Para que haja cooperação tem de haver regras fixas que obriguem a essa co­ope­ração. Exemplo, o casamento: diferença de funções, cooperação na criação dos filhos, responsabilidades dos filhos mais tarde. Nada disto é necessariamente assim: é específico da nossa cultura.
Tendência para obedecer cegamente aos ditames da nossa cultura e sentimentos muito fundos para agirmos de acordo com as regras do grupo.
Regras éticas que têm de ser impostas havendo sanções para quem as não cumpre.
O Eu como espaço de representação
O eu como nome, como capacidade de se auto‑nomear. Ausência de complicações e de teorizações do Eu, que tem uma teoria fornecida pela cultura: identidades culturais, orgulho de classe, identificação com certos grupos. Exemplo, os psicólogos e os médicos, actualmente os ocidentais e os islâmicos, o Sporting e o Benfica, os Góticos e os Betos ou os Punks. Toda a teorização sobre nós próprios já foi feita por nós. Se cumprirmos as regras não a poremos nunca em causa.
O Eu como espaço de conflito
Instruções culturais são, porque o grupo é seleccionado em termos de saber colectivo, sempre cooperativas. Instruções individuais são seleccionadas em termos de selecção individual. Vantagens em seguir os dois tipos de tendência. Conflito psicológico necessário.
O eu como comentador das suas acções: sensação de autoridade das nossas próprias ideias e comportamentos, mas, na verdade, muito pouca autoria: incapacidade de inventarmos regras para tudo; desvantagens biológicas porque isso iria contra a cooperação (ou seja: vantagem em se ser reprogramado pela cultura).
A ética como exemplo desse mesmo problema: exemplo da ética de Kohlberg: progressivo afastamento do princípio do prazer para o princípio da realidade e dificuldade em resolver a questão no plano puramente individual: os autores das próprias éticas são uma quantidade residual.
Ausência de liberdade e importância do Eu: a noção de força do Eu, de Freud, e a importância de uma pessoa se auto‑conhecer. O preço a pagar por esse auto­‑conhecimento.

9 comentários:

Anónimo disse...

Bom dia!

Professor, uma vez que se disponibilizou para uma maior elaboração do texto, será que podia desenvolver um pouco mais o último aspecto que referiu - Ausência de liberdade e importância do Eu: a noção de força do Eu, de Freud, e a importância de uma pessoa se auto conhecer. O preço a pagar por esse auto-conhecimento. -, por favor?

Agradeço desde já, CMC...

Joana Almeida

Rodrigo de Sá-Nogueira Saraiva disse...

Cara Joana:
Obrigado pelo seu interesse. Há um texto meu, neste site: http://br.geocities.com/rsnsaraiva/psicmotivacao.htm
chamado 'Reprogramaçao e conflito'.

Ainda que seja possível que eu elabore mais a questão do post principal, esse texto é, parece-me, representativo do que eu penso sobre o assunto. Não sei até que ponto é que não é pessoal demais, mas a verdade é que o conhecimento é sempre uma aventura pessoal e tudo o que escrevemos leva uma marca nossa.

CMC,

RdS

moonshiner disse...

Boa noite!
Eu concordo com o que o professor diz que cada cultura vê as coisas apenas de acordo com o paradigma da sua cultura existindo sempre aquele etnocentrismo (não sei se terá muito a ver com isso, mas penso que poderá ter) no qual pensamos que nós é que temos razão, e que nós é que vemos as coisas de modo certo. No entanto penso que a nossa cultura é de facto mais desenvolvida que as culturas das tribos. Nós desenvolvemos solução para milhares de problemas como doenças o que é bom para a nossa sobrevivência, estando apenas a responder ao instinto de sobrevivência que todos os seres vivos têm, por mais mísera que seja a vida de cada humano, existe sempre aquele instinto que nos faz evitar qualquer perigo para esta. Tendo nós resolvido tais problemas e havendo ainda uma grande mortalidade naquelas tribos (suponho eu), pode-se concluir nesse aspecto (relativo ao instinto de sobrevivência) que somos mais desenvolvidos. Piaget que fez grandes desenvolvimentos a níveis psicológicos, fez então a distinção entre criança, adolescente e adulto. E defendeu que a criança e o adolescente têm de se desenvolver num meio propício, para que se desenvolvam com uma boa saúde psicológica. Deste modo as crianças deixaram de trabalhar. Suponho então que se existe uma altura pertinente para o inicio do trabalho, em adulto, deverá existir também uma altura pertinente para se começar a ter relações sexuais, sejam elas orais ou não. E isso está estabelecido também na nossa sociedade. As crianças não têm capacidade para discernir o que é que lhes faz bem ou mal, para tomarem decisões, por isso obedecem aos adultos que são modelos para elas. Mas mais tarde ao lembrarem-se das experiências passadas estas podem-se arrepender do que aconteceu... mas sim, realmente agora que penso melhor nisso, elas só se vão arrepender porque isso está tomado como um acto perverso na nossa sociedade… no entanto custa-me a acreditar que essas crianças não fiquem traumatizadas (mais uma vez a nossa cultura…), mas se a sua sociedade delas não considera isso como um acto perverso, pelo contrário obrigatório elas não se vão sentir mal nem ficar traumatizadas... mas então porque é que as da nossa sociedade ficam? Será mesmo pelo facto de ser considerado um acto perverso ou será que altera algo no desenvolvimento da criança? Então se não causar nenhum transtorno na criança, porque é que foi inicialmente considerado perverso? Porque é que começaram a ser consideradas perversas as coisas que são actualmente consideradas perversas se dantes não o eram e vivíamos com liberdade de fazer o que queríamos? Sim, para sobreviver é necessário que nos tenhamos tornado seres sociais tendo comportamentos sociais, como por exemplo não defecar ao pé de outras pessoas pois isso traria desconforto devido ao cheiro… mas por exemplo, a pedofilia, como se instaurou isso? Porque é que passou a ser considerado um incómodo, algo mau quando não incomodava ninguém? Ao que quero chegar é que deve realmente haver algo biológico ou psicológico afectado no desenvolvimento da criança para que se tenha sido considerado um comportamento anormal, perverso… se não a afecta desse modo então ao que quero chegar é como é que foi considerado perverso? Aha! Penso que cheguei a uma resposta… porque se o nosso instinto é de sobrevivência, ou seja propagação da espécie, como as crianças não podem procriar pois não estão biologicamente desenvolvidas para isso, isso vai ser considerado perverso… cheguei a alguma conclusão plausível?! Repeti-me muito se calhar… Espero ter-me feito entender…
É difícil sair do nosso paradigma, se é que saímos alguma vez… penso que é necessário colocarmo-nos na pele das outras pessoas antes de as julgarmos, é necessário sair do nosso paradigma…
bahh é provável que tenha dito alguma bacorada, se disse, peço desculpa, mas não tenho grandes conhecimentos, e posso entender as coisas mal e o facto de não ter tempo para estudar não ajuda muito... mas fiz este raciocínio e se houver algo errado, peço-lhe por favor que me corrija!
Obrigada, Beatriz Gonçalves.

Rodrigo de Sá-Nogueira Saraiva disse...

Beatriz:

Obrigado pela sua franqueza. Retomando o exemplo dos Sambia, se admitirmos que qualquer acto sexual que não leva à reprodução é perverso, teremos, de novo, a moralidade conservadora: sexo vaginal apenas, declaração dos homossexuais como perversos, etc.

O facto é que o seu comentário mostra até que ponto as instruções da nossa cultura parecem impossíveis de pôr em causa. Claro que a mim também me faz confusão o comportamento dos Sambia; é por isso que digo que, nas pessoas mais velhas, é impossível que a homossexualidade seja aceite sem nenhum problema.

Não há nenhum inconveniente para os Sambia, tanto quanto o Hertz encontrou, em praticar sexo oral com as crianças. Não estou com isto a dizer que o façamos nós! Mas isto apenas porque mais tarde a criança vai interpretar esse acto não como normal, como ocorre entre os Sambia, mas como um pecado, uma coisa que lhe causa vergonha.

Porque foi que surgiu a imposição de não se fazer sexo com as crianças? Não sei, mas posso dizer que sei porque é que há tantas imposições sobre o comportamento sexual.

Se todos seguíssemos os nossos desejos haveria continuamente combates e rixas. Neste momento é um pouco o que ocorre nos casamentos: as pessoas acham agora que devem seguir os seus "sentimentos" e ser honestas e magoam desnecessariamente consortes (mulheres e maridos) e filhos.

Na nossa sociedade mais tradicional, uma infidelidade deve ser evitada precisamente porque causa esse tipo de conflitos; foi sempre um código implícito manter as infidelidades secretas, precisamente para não desestabilizar a família e a sociedade.

Nos Sambia, o comportamento sexual com as crianças tinha uma função muito importante: os rapazes, a seguir à puberdade e antes de se casarem, não tinham como satisfazer os desejos sexuais senão com crianças; quando isso lhes foi proibido (pelos missionários e pelos ocidentais em geral) passaram a tentar conquistar as mulheres casadas. A consequência foi uma taxa muito maior de lutas e uma desestabilização do grupo.

O que eu tentei dizer na aula anterior foi que é a cultura que é seleccionada de maneira a funcionar bem - a tecnologia - e os indivíduos têm de se acomodar a isso porque a nossa espécie não vive sem cultura (imagine um mundo em que tinha de fazer TUDO por si própria). Essas instruções culturais entram em conflito com os desejos mais centrados no indivíduo.

Há, pois, duas fontes de motivações importantes no nosso comportamento: as egoístas e as que nos foram inculcadas pela cultura. Estas são quase sempre cooperativas ou, mais especificamente, resultam na cooperação. Assim sendo, "não desejar a mulher do próximo" e "condenar os adúlteros" funciona em termos sociais: numa cultura em que cada um copula apenas com quem "deve" não há lutas entre homens por mulheres ou intrigas entre mulheres por homens.

Note bem que não estou a defender nenuma ética. Uma das coisas que acho que um psicólogo deve compreender é a não fazer juízos éticos: deve compreender, tentar explicar o processo e prever o que vai acontecer.

Isso não quer dizer que não tenha sido influenciado pela cultura ou que não tenha instintos. Significa apenas que acho que cada pessoa deve gerir a sua vida com a consciência de que o seu comportamento é muito pouco livre: há motivações sociais que nos parecem inatas (por exemplo, a questão do sexo com crianças) mas não são; há motivações biológicas que temos dificuldade em controlar (a raiva e a agressividade, por exemplo, para já não falar do sexo). A resposta que cada pessoa dá a esse tipo de conflitos deveria ser minimamente pensada.

Finalmente, quanto às sociedades primitivas. Há uma grande questão relativamente ao uso da palavra "primitivo". Alguns antropólogos preferem usar o termo "ágrafo", quer dizer, as sociedades primitivas não seria primitivas mas apenas sociedades sem escrita. Isto é muito questionável: os Incas eram ágrafos mas não eram primitivos.

O que tudo isto quer dizer é que a nossa sociedade se acha superior às outras. Tecnologicamente isso é certamente verdade: somos mais eficazes a lidar com o ambiente (alimentos, doenças, etc).

Contudo, daí a dizer que somos intrinsecamente superiores vai uma grande diferença.

Consideremos uma pessoa que trabalha para uma empresa. Recebe um ordenado para fazer uma série de coisas que ela própria não teria escolhido fazer; trabalha com o objectivo de obter lucro para a empresa; se trabalhar mal é posta na rua. Objectivamente, é um escravo bem pago, que vive em stress profundo para conseguir ter bens que não são bens de primeira necessidade (um BMW não é um carro melhor do que um Nissan, por exemplo - na verdade é até pior).

Esse nível de stress - a péssima qualidade de vida que actualmente se tem - não indica que sejamos uma sociedade em que as pessoas vivem melhor. O que se passa é que as pessoas são ensinadas a ser escravos e a gostar ("eu trabalho no grupo Sonae" - já ouvi dizer isto a uma idiota muito contente por ser escrava de um fulano importante).

Entre viver uma vida psicologicamente miserável como a maior parte das pessoas e viver com uma maior taxa de mortalidade, francamente, não sei o que considere melhor.

Vai um bocado desorganizado este comentário; mas pelo menos tem aqui a resposta e se tiver dúvidas pode perguntar.

RdS

Luana disse...

Seria talvez interessante referir a guerra como fenómeno adaptativo, já que se refere à cooperação do grupo como fenómeno de protecção. Lembro-me de ter ficado a pensar bastante no assunto depois de o ter exposto numa aula (aquela maratona de 6 horas seguidas). Como os conflitos (a uma escala considerada maior) são entre grupos e não entre pessoas singulares, isso gera uma selecção pelo grupo. A guerra é então adaptativa para o grupo como organismo que se reproduz, não o sendo para a espécie em si. Isto vai acontecer como forma de reduzir a competição entre grupos. Além de que a unidade de um grupo depende sempre de um inimigo comum, caso contrário, ele vai-se desfazendo até à sua unidade básica.

Bom fim-de-semana,

Lu-ana

YounGod disse...

LUANA:

Guerra= Ingroup vs. Outgroup (Psicologia Social)

YounGod disse...

LUANA:

Guerra= Ingroup vs. Outgroup (Psicologia Social)

YounGod disse...

LUANA:

Guerra= Ingroup vs. Outgroup (Psicologia Social)

YounGod disse...

peço desculpa, era só para postar uma vez...inevitavelmente trnaspareço uma fraca adaptação contigencial ao meio informático. Devo cooperar com o meu ingroup (grupo social para o qual denoto lealdade e respeito, e no qual me sinto membro)para me facilitar a aprendizagem.

com as melhores saudações académicas

RS

Ps: excelente iniciativa de criar um blog professor. Tivesse existido "no meu tempo (ablógrafo)" esta ferramenta...