sexta-feira, 18 de maio de 2007

Freud

Freud e a Psicanálise
A maior importância de Freud é a de ter rompido com a tradição académica. Em vez de se basear na refutação, complementarização etc., de outros autores, Freud pretendeu compreender a pessoa – o funcionamento da psicologia humana.
Ao fazê­ lo inspirou-se naturalmente no que conhecia da vida – e isso implica, evidentemente, ter-se inspirado em si próprio. Freud era uma pessoa complexa, com más relações com o pai, tendências semi-incestuosas com a mãe e uma relação difícil com as outras pessoas. Em grande parte por isso, muitos dos conteúdos das suas teorias são tão estranhos.
Isso em nada tira a sua importância, não só histórica – será difícil encontrar um psicólogo com mais influência do que freud – mas mesmo actual. A psicologia freudiana pode estar, no seu conjunto, errada – as fases de desenvolvimento sexual podem ser fictícias, é verdade que a maior parte das hipóteses não podem ser testadas, muitas duas suas explicações parecem delirantes e sabe-se mesmo que freud falsificou casos para corroborar a sua teoria. Independentemente de tudo isso, Freud apresentou aquele que é, que eu saiba, o único referencial especificamente psicológico que leva à letra a ideia de que o Homem (a espécie) é «um ser bio-psico-social». Normalmente isto não significa nada em termos de concretização. Em freud é parte central da sua teoria.
Referi-me especificaemnte à ideia da sua chamada segunda tópica. A grande inovação desta ideia é ter mostrado que, além de factores instintivos desconhecidos – essa ideia já se encontra em Hartmann e, antes disso, em Schopenhauer – há factores culturais que determinam o nosso comportamento sem que suspeitemos deles ou os questionemos.
É importante salientar que as normas sociais e os instintos biológicos, em freud, tendem a opor-se – princípio do prazer e da realidade. Este facto é, parece-me, verdadeiro. A justificação moderna disto apresentei-a em trabalhos a que vos posso referir, mas resumi-la-ei aqui. A vida de um lobo pode ser difícil – é-o certamente mais do que a nossa – mas o lobo só faz aquilo que tem vontade de fazer. Connosco passa-se quase o contrário: tudo é obrigação, o dever vem antes do sentimento e se não cumprimos o dever (ou aquilo a que fomos ensinados a achar bem ou mal) temos sentuimentos de culpa. Isto acontece, parece-me, porque a nossa sobrevivência como espécie assenta na cooperação e, para cooperarmos, tem0s de conseguir dobrar as nossas tendências egoístas (ou seja, tem de haver um predomínio do princípio da realidade sobre o princípio do prazer). Se cada um seguir estratégias egoístas ou de simples protecção dos parentes próximos (o que é corrente em animais sociais), não haverá cooperação possível porque a sabedoria com que tratamos dos problemas do mundo não está contida nesses pequenos grupos sociais mas na unidade mais vasta que é a cultura. Por isso, somos efectivamente reprogramados (temos vantagens reprodutivas nisso) para o que devemos e não devemos fazer. Estratégias egoístas como, por exemplo – usando agora um exemplo de Freud – copular com uma pessoa já acasalada, desfazem a união do grupo. Esta parte não se encontra teorizada assim em Freud ( é muito mais complicada e, temo dizê-lo, delirante a interpretação de Freud: filhos que matam os pais para ter o acesso às fêmeas, seguido de sentimentos de culpa – no fundo, um romance baseado nos sentimentos do próprio Freud).
O resultado, contudo, foi bem compreendido por Freud: o espaço do Eu – a nossa capacidade de decisão – tem de se mover entre os determinismos sociais incorporados e inconscientes e os determinantes biológicos e negados. O resultado é uma escolha necessariamente má: perdemos se seguirmos o princípio do prazer, perdemos se seguirmos o princípio da realidade. A única solução é a sublimação das tendências, com a consequente neurose.
Considero que esta noção de conflito é real e importante na Psicologia; considero que há, neste momento, informação suficiente proveniente da Etologia, da Psicologia Social e do Desenvolvimento, da Psicologia Cognitiva e da Antropologia evolutiva para se conseguir fazer uma síntese – eu próprio a tentei, não completamente a meu gosto – nos Mundos Animais, Universos Humanos.
Não se trata de defender Freud e os seus delírios: trata-se de defender que, para compreender a nossa espécie, temos de compreender quais os factoreds que determinam o seu comportamento; esses factores só podem ser provenientes de dois lados: da biologia e da cultura; em alguns, pouquíssimos casos, os indivíduos podem contribuir criativamente para a solução do problema. Foi a isso que freud chamou a força do eu.
É neste contexto que tem de se considerar a questão da liberdade humana, e é o que faremos na próxima aula.

2 comentários:

Tyler_____Durden disse...

Boas noites.
Confesso que quando ouvia falar em psicologia o nome de freud vinha logo á baila,talvez por ter sido ele a romper,como o professor bem disse,com as antecessoras teorias academicas.Talvez tenha sido consequencia de pensar pela sua propria cabeça e nao agradar a doutores.
Confesso que talvez a teoria de Freud recaia muito sobre a sexualidade e a satisfaçao sexual,nao consigo deixar de me lembrar de alguem que citou frued dizendo que"(...)um rico nao é feliz se nao estiver satisfeito sexualmente ,mas um pobre pode ser feliz se sexualmente satisfeito estiver(...)" talvez porque ai o principio primitivo de prazer ja esteja satisfeito.
Actualmente a hipocrisia impede que seja possivel admitir que grande parte da nossa felicidade advem da satisfaçao sexual.
Li bstantes casos de Freud e paesar de alguns parecerem descabidos , a verdade é que fazem todo o sentido,apesar de termos a Razao como principal diferença para os demais animais,a verdade é que temos impulsos primitivos e é literalmente impossivel dete-los,sob pena de vivermos cheios de neuroses.
Podemos arranjar todo o tipo de estratagema:Racionalizaçao,sublimaçao etc..mas nao vamos fugir do "bichinho" que todos temos dentro de nós.
O principio de "dever" estará sempre explicito na interacçao com a sociedade mas será sempre "comandada" pelo principio de prazer.

Rodrigo de Sá-Nogueira Saraiva disse...

Tyler DISSE: "O principio de "dever" estará sempre explicito na interacçao com a sociedade mas será sempre "comandada" pelo principio de prazer."

R de Sá RESPONDE: Tenho de discordar. Se assim fosse não haveria sociedade.

Na próxima aula tenciono discutir a questão da liberdade humana precisamente nesse ponto de vista, pprazer prealidade.